Stephen Hawking é um gênio. Segundo matéria d’O Globo (de 24/09/2014), Hawking causou euforia ao questionar a ideia de que Deus criou o universo. Ainda continuo achando Hawking um gênio, mas vejo aqui um deslize do astrofísico: “incorreu” em metafísica. Seja a abordagem de teístas ou de ateístas, Deus é questão metafísica por excelência. Além de amor, acho que precisamos de mais metafísica! Os degladiadores ateístas não percebem, na poética da poiésis (pleunasmo?) a explicação “científica” da época. Quando, no gênesis, se lê que “Deus fez [céu-terra-luz-frutos-animais-etc] e viu que era bom”, está ali uma tentativa de se explicar o universo, com os recursos que se dispunha na época. Os filósofos, desde os pré-socráticos, também tinham histórias inverossímeis sobre as criações das coisas. Ademais, até posso compreender que Hawking esteja tentando alfinetar setores mais radicais, que não se prestam a um diálogo entre fé e religião. Por outro lado, segundo O Globo, remete diretamente ao cristianismo, coincidentemente, o mesmo ingrediente fundamental, tanto quanto a cultura grega e o expansionismo/imperialismo romano, para a constituição não somente da filosofia, mas do pensamento do ocidente: os tripés da noção de “universal”.
Ora, se por um lado a ciência está fundada neste pressuposto “metafísico” — sim, a ideia de universal não é universal — por outro ela se apresenta como paladina da objetividade. Mas não se pode esquecer que muitas das “descobertas” da ciência apenas são refutações de crenças científicas anteriores. O anúncio de Hawking também é uma nova refutação. O que se acreditava dantes, se não cai por terra, ao menos sofre algumas alterações. A característica do pensamento dogmático e/ou metafísico, por outro lado, é a da não refutabilidade de “cláusulas pétreas” das comunidades/espiritualidades sejam elas: cristã, budista, islâmica, iogue, etnias indígenas (mais de 200!), etnias africanas, os xamanismos e tantos outros.
Esse debate portanto entre fé versus razão — ou religião versus ciência –, sempre paira no adágio — chato — Deus não existe, ou é um delírio. Claro que não é “culpa” do Hawking, que faz na verdade, de acordo com O Globo, algumas piadinhas que até podem soar engraçadas; mas espanta que este, ao ser “ovacionado à semelhança de uma estrela de rock“, paire mais como um ídolo do que como um proeminente e fundamental astrofísico para a ciência — e, porque não (?), para a fé. Idolatria que se presta a um ideário ou ideal (metafísico, diga-se de passagem).
Stephen Hawking é um profeta. Qualquer semelhança não é mera coincidência. As pessoas precisam ser guiadas. Precisam de referências. E isto não é, em si, um problema. Mas não é este o ponto. Quero dizer que este debate poderia ser muito mais profícuo, uma vez que as mais diversas cosmologias estão tentando explicar o mundo desde que o ser humano se entende por gente (ou até antes disso, que o diga Stanley Kubrick). Seria o caso de serem categorizadas como delirantes? Ainda que sim, seria pura tautologia que em nada contribuiria — senão para acrescer o preconceito. Estes “delírios”, fenomenologicamente falando, tem importantes funções sociais.
De outra parte, estes delírios podem ser encontrados, também, dentro da ciência. Quando? Ora, quando a ciência se torna teleológica. Daí para a (a)teologia é um pulo. É o [péssimo] exemplo que se dá quando Richard Dawkins diz que “é imoral” uma mulher dar à luz um filho com síndrome de Down. Como é sabido, Hawking tem esclerose lateral amiotrófica (ELA – a doença que ficou mundialmente conhecida pelo desafio do balde de gelo). Imagine, portanto, uma situação hipotética e delirante na qual Stephen Hawking fosse nascer no país que tivesse as leis respaldadas nos pressupostos fundacionais — metafísicos e deveras delirantes — de Dawkins, onde seria imoral uma mulher dar a luz a um filho com deficiências físicas e que a genética pudesse prever a incidência de ELA: Hawking, o gênio da ciência, seria um abortável em potencial. Seria tão lamentavelmente “descartável” quanto Eistein (judeu) nas mãos de um Hittler. Batamos na madeira. Vida longa a Hawking. Quis Deus que Hawking nascesse antes disso.
Stephen Hawking é o balde de gelo de Richard Dawkins.
Belíssimo post, querido. Além de Hawking, Jacqueline du Pré também teria sido abortada e o mundo teria ficado sem suas belíssimas (e internacionalmente famosas) interpretações ao violoncelo. E essa mesma lógica teria deixado vivíssimos o mesmo supracitado Hitler, Mussolini, o genial Joseph Goebbels, nosso “amigo” Paulo Maluf, campeão de desonestidade, o delegado Fleury, o general Pinochet e tantas outras mentes intelectualmente “sadias” que nem com 24 horas de digitação incessante eu conseguiria colocar aqui. Todas capazes de monstruosidades e atrocidades que eu jamais ouvi terem sido perpetradas por portadores da Síndrome de Down. Dentre esses, vi atores capazes de belezas como as mostradas no filme belga “O Oitavo Dia” e no brasileiro “Colegas”. Acho que a lógica, a ética e a moral dawkinianas, nesse ponto, são menos sólidas que o gelo que encheria o balde num dia de calor…
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