A característica de uma improvisação convencional — seja qual for gênero, estilo ou “idioma musical” — é a de que o participante se utilize de materiais (concretos e abstratos) que tenha à mão e com isso produza alguma novidade – sob certo ponto de vista – que estaria na organização de tais elementos que em si não seriam “novos”, pois que esta novidade residiria no estabelecimento de novas relações do material. Mas isto serve pra qualquer música, claro, e não somente para a improvisação. Uma música de Mozart, ou de Schoenberg, ou Villa Lobos, ou da Galinha Pintadinha pode se relacionar com outros elementos (audiovisuais, por exemplo) e isto, per se, já seriam novas relações do material. Mas no caso da improvisação livre, ocorre outro tipo de relacionamento entre os agentes musicais. A improvisação — quer seja em um ambito mais livre ou mais delimitado — requer o uso de regras, criadas a partir de critérios, aprendidas pelos participantes na teoria e na prática (sobretudo por esta última).
E, mais ainda, uma improvisação implica em uma espécie de diálogo, onde o improvisador responde aos estímulos externos que estes sons produzem. É um constante processo de retorno. Quando há mais de um improvisador portanto, estes se influenciam – quando bem abertos ao outro – contínua e profundamente, uma vez que estão transitando em um território onde alguns signos são partilhados.
Já livre improvisação é um tipo de prática musical na qual a regra é fugir a qualquer tipo de “elemento musical abstrato”, isto é, algo que possa ser identificado como uma melodia, nota musical, escala, tom, arpejo, tema, ritmo etc. São privilegiados na livre improvisação, portanto, o “som” produzido pelos instrumentos, captado pelos microfones (quando é o caso) e modificado pelos computadores (quando houver). O material primário utilizado é constituído pelos sons concretos “lançados” pelos instrumentistas.
O vídeo abaixo traz uma apresentação do Ensemble Musicaficta com Cesar Villavicencio (flauta e eletronics), Fernando Iazzetta (eletronics) e Rogério Costa (sax) em uma performance no Departamento de Música da na Universidade de São Paulo (CMU-USP). Neste caso, há dois instrumentistas e dois manipuladores com computadores: além de Fernando Iazzetta, ao centro, a flauta contrabaixo de Villavicencio possui um sistema eletrônico acoplado que é controlado através do espigão (o “pé de apoio”) da flauta de modo que cada movimento do flautista nos eixos frente/trás e direita/esquerda são responsáveis por parâmetros estabelecidos antes da execução, e são monitorados no visor também instalado na flauta. Afora estes elementos “extra-musicais”, podemos constatar um interessante trabalho na performance gravada pelo grupo, que não se repetirá mais, a não ser nas gravações: outra característica das improvisações.
Pode-se ver no vídeo que, apesar de não se utilizarem de “elementos musicais” (ou objetos musicais ideais, no conceito de Pierre Schaeffer) os improvisadores se valem de suas técnicas para tentar “dialogar” em outros níveis de organização que prescindem das “notas”. Exploram-se as regiões graves ou agudas dos instrumentos, a força, a velocidade, o ataque do som, a continuidade ou exiguidade da duração, os sons das pastilhas do sax sem sopro. E assim, sem se utilizar de “melodias” outros tipos de experiências sonoras ocorrem e podemos conseguir perceber, com uma escuta ativa, as formas que “dialogam” com a experiência de cada um.
