Todo mundo sabe música! O Palco Aberto na Escola


Para além dos muros das salas de aula e dos currículos legais e ocultos, a escola também é feita, sobretudo, de pessoas. O somatório das identidades contribui para a constituição do ambiente cultural da comunidade educativa: professores, estudantes, dirigentes, colaboradores, pais, convidados etc. Esta noção de ambiente cultural – de certo modo uma expressão pleonástica, uma vez que um ambiente já fomenta sua cultura na relação entre condições de possibilidades versus condições favoráveis – é muito importante pois que é a resultante global de um contexto complexo dentro do qual os indivíduos vivem e com o qual dialogam. Qualquer intervenção neste contexto, a depender de sua força, tem um impacto sistêmico nesta comunidade. A música, neste estado de coisas, a pretexto de estética, tem uma função ética. Explico.

Tenho pra mim que a intervenção dos estudantes é crucial para a construção conjunta deste ambient escolar. Nesta perspectiva, o professor tem, entre outras atribuições, a tarefa não simples de garantir perenidade das iniciativas, em busca de um desenvolvimento em aspiral do ambiente. Não me refiro aqui ao desenvolvimento individual dos estudantes, mas da comunidade, ou seja, da manutenção de algum tipo de tradição em tensão criativa com a inovação. (Sobre este ponto, é de grande valia conhecer algumas reflexões sobre a ideia de “sustentabilidade da cultura” e que voltarei a falar em outro momento oportuno).

A questão do conteúdo é apenas mais um detalhe. O que se está aqui a dizer é outra coisa distinta: sobre como o “ambiente cultural” tem fundamental influência no desenvolvimento das relações e até mesmo na disposição psicológica dos estudantes e professores para tratarem até mesmo…. dos conteúdos, por exemplo. Nesse sentido, como desdobramento concreto destas reflexões filosóficas, apresento a experiência do Palco Aberto.

A premissa/intuição que possibilitou a construção coletiva deste espaço, na escola, mais precisamente no Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro foi a de que “todo mundo sabe música em alguma medida”. Esta assunção é oriunda das reflexões feita a partir  dos conceitos que trato no livro INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS SOBRE MÚSICA, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO e que estão na base da construção deste projeto. Atualmente, respondo institucionalmente pelo Palco Aberto do CSI, mas na prática, toda comunidade é co-responsável pelo êxito deste espaço que tem sido construído a muitas mãos, com participação de toda a direção, coordenações, professores, funcionários e, principalmente, os protagonistas: os estudantes.

Em suma o Palco Aberto funciona da seguinte maneira: constantemente ocorrem espetáculos no Colégio Santo Inácio de/com/para estudantes. O encontro inter-séries é fundamental para o fortalecimento da noção de comunidade, pois que transborda as faixas etárias garantindo o desenvolvimento em aspiral da comunidade, isto é: a cada ano, não se tem mera repetição pois quem assiste a um apresentação de um colega da série mais avançada, já terá este exemplo como paradigma de onde partir. Este aprendizado em aspiral não é novidade, evidentemente, pois em um coral, por exemplo, os mais novos aprendem com os mais velhos e assim este grupo forma sua identidade, da qual o professor desempenha o papel de fomentador, mantenedor e maturador do ciclo, dentre outros.

Contudo, o Palco Aberto não é um grupo, mas sim um espaço, ou seja: a rotatividade é muito grande, sempre ocupado, do ponto de vista da produção, por aqueles mais propensos à arte e cultura. Já do ponto de vista da recepção, a plateia sempre comparece aos eventos que acontecem no horário do recreio. Em alguns casos, na maioria das vezes com lotação esgotada! Estudantes gostam de ver seus colegas no palco e, eventualmente, convidam professores (com participações muito ovacionadas). Por estas e outras razões, a música, nesses usos, para além da estética, tem função ética. Ela fortalece determinados aspectos de uma comunidade, sobretudo, aqueles que se quiser fomentar. A perenidade é muito importante, do contrário não se constitui como um programa, mas sim somente como eventos soltos.

As produções são concebidas e dirigidas pelos estudantes, no âmbito de uma “Agência Jr” que funciona como uma incubadora dos seus projetos. Há também os corpos estáveis, em contrapartida à rotatividade, que garantem um maior aprofundamento e memória, e assim, a perpetuação e partilha dos aprendizados. Sobre esses falarei mais adiante. Por enquanto, deixo aqui o vinheta do Palco Aberto para que vc possa conhecer melhor. Assine o blog para não perder as próximas postagens sobre este e outros temas. Sinta-se à vontade se desejar fazer alguma pergunta, partilha de prática ou reflexão deixando um comentário.

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Estevão Moreira, Rio de Janeiro-RJ


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Livro Estevão Capa

Sobre o autor: Estevão Moreira, professor, compositor e regente. Licenciado em Música pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Educação Musical pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Foi representante estadual da Associação Brasileira de Educação Musical – ABEM – no ano de 2012. Atualmente, é professor de música e gestor cultural no Colégio Santo Inácio (ver entrevista).


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A música que respiramos

2 comentários

  1. olá Grande Estevão!!

    muito bacana esta experiência viu!! adorei!! a partir dela já tive várias ideias para implementar programas semelhantes aqui onde trabalho. Sua fundamentação de que a música (e a arte em geral) é elemento de socialização e formação ética e estética, dialoga com a visão de arte como elemento social que cultura africanas antigas como a cultura malinKê, concebem. Em especial,a música é o elo de conexão entre os indivíduos, ancestralidades e o por vir na concepção do povo mandiga, que é praticante desta cultura que citei.

    agora como foi a implementação da proposta? a comunidade escolar (principalmente os gestores) a receberam bem ou vc teve dificuldades conceituais em aplicar o projeto?

    um abraço!!

    Marcelo Saback
    músico, cursando pedagogia Uneb
    71 9 8857 0322

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  2. Marcelo,

    Bom dia!
    Obrigado por sua mensagem!
    Realmente as artes tem um papel muito forte como elemento social, pois estao presentes a todo momento na vida de todos nos. Somos cercados de produtos culturais e, por essa razao, parto do principio de que todo mundo sabe alguma coisa. Ninguem sabe tanto que nao possa aprender e ninguem sabe tao pouco que nao possa ensinar.
    Quanto ao apoio, este e’ fundamental! E posso dizer que sim, no Colegio Santo Inacio tenho apoio. No entanto, saliento que o projeto so’ chegou neste patamar apos ser apresentado na pratica, dia apos dia, recebendo cada vez mais o voto de confianca dos membros da comunidade educativa, a saber: gestores, professores, funcionarios, estudantes e familias. De minha parte, costumo dizer aos meus colegas: nao espere que gestores conhecam os pressupostos filosoficos e eticos de sua proposta pedagogica, pois estes estao ocupados tambem com tantas outras demandas. Em minha humilde opiniao, apoio, confianca e colaboracao pode ser conseguidos cada vez que abrimos para que os outros participantes da comunidade — independente da hierarquia — sejam autores, com suas maos, o que — novamente, em minha opiniao — realizar esta modalidade de trabalho ate onde ha’ carencia de equipamentos e estruturas. Tendo a crer, alias, que nestes ambitos, o engajamento e solidariedade tendam a ser ainda mais dinamizadores do processo. Mais especificamente no caso dos gestores — diretores e coordenadores –, tanto mais o seu projeto dialogue com as necessidades institucionais, certamente, mais apoio ele tera’, cabendo ao professor perceber, neste ambiente, quais sao as condicoes favoraveis.

    Um abraco!
    Estevao

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