Uma abordagem sobre música que se paute naquilo que se diz sobre música leva em consideração o fato de que a linguagem sobre música, isto é, o que se diz sobre música é extremamente revelador daquilo que se compreende como música e mais ainda, leva em consideração o fato de que a língua pode camuflar, evidenciar ou forjar compreensões de tal ou tal modo. A própria palavra música, para nós ocidentais, que de certo modo aponta para um fenômeno “sonoro” pode induzir a uma compreensão reduzida – não necessariamente em valor, mas no sentido de restringir categorias de conceituação de percepções – de que a música é, de fato, um “fenômeno estritamente sonoro”. Entretanto, considerando a multiplicidade lingüística, em conjunto com estudos da etnomusicologia, podemos constatar que, em alguns casos, isto que “nós” ocidentais chamamos de música pouco – ou nada – tem em comum com o que algumas culturas determinadas consideram como música e, talvez o mais sintomático: sequer apresentam palavras para tal. E como levantar tal problema (sobre o isto musical – “isto que chamam de música”)? Primeiramente seria preciso contextualizar tal preocupação dentro do campo da pesquisa em música para verificar em qual “categoria” tal tema estaria adequado.
Primeiramente é mister considerar um panorama sobre a organização acadêmica do estudo sobre “música”: este estudo se faz multidisciplinarmente, considerando a complexidade do “fenômeno musical” (caso de fato exista) dos quais podemos destacar diferentes estudos e diferentes lógicas – logos, discursos – que tratam de determinado(s) aspecto(s) específico(s) trazendo à luz questões que possibilitam diversas compreensões dos processos que envolvem o campo musical – ou melhor, das práticas musicais. Como exemplos de diferentes perspectivas e seus caminhos podemos citar: a psicológica, pela via dos processos mentais e comportamentais; a musicológica, pela via historiográfica; a etnomusicológica, que considera as práticas musicais de diferentes culturas; a sociológica, que estuda as relações música-sociedade; a sonológica, dos estudos do som; a semiológica, pela via dos signos de dos sentidos musicais etc. Cada um destes diferentes campos se organizam em diferentes modos e enfoques e/ou podem se coadunar ao ponto de fazerem surgir novos objetos de estudo e novas problemáticas para a pesquisa acadêmica; podem se tornar mais específicos ainda alcançando outras ciências e disciplinas – como acústica, neurologia, economia, medicina, biologia, lingüística, letras, filosofia etc – que destacam mais e mais aspectos, apresentando novos pontos de vista e questões, transformando o estudo sobre música em uma rede de finas tramas.
Entretanto, é fundamental lembrar também que ao lado de tais lógicas (inter)disciplinares da música, por sua vez, de cunho teorético, estão também as próprias “teorias musicais” das mais diversas “práticas musicais” que relatam os seus modos de fazer e que carregam consigo pré-suposições implícitas de conceitos, valores, premissas etc. Por exemplo, ensaios, tratados, um sem número de métodos de guitarra e violão, tabela progressiva de repertórios, cursos de arranjo, de “harmonia e improvisação” etc. É importante salientar este tipo de produção teórica (instruções técnicas, estéticas, poéticas musicais etc.), está, geralmente, circunscrita a um domínio específico de uma determinada prática musical e, portanto, de uma “teoria musical”; salienta-se daquelas pesquisas teóricas citadas no parágrafo anterior que se valem de diferentes lógicas investigativas de outras ciências, disciplinas e abordagens –.
Voltando portanto ao problema da elucidação da palavra música – e portanto todo um léxico que se admita subjacente à prática musical no ocidente – constatamos que este passa necessariamente pelo problema da linguagem. Neste caso, a linguagem sobre música seria o escopo da questão: “o que é isso que chamam de música?”. Tal questão, é preciso contextualizar, pretende levantar pontos que, para além de constatar a diferenciação daquilo que se chama como música nas diferentes comunidades e culturas, permitam uma consideração da “nossa” própria prática [ocidental] de nominar as coisas, de “nossa” relação com estas e também de “nossa” relação com as demais “relações” com a música de diferentes culturas/comunidade. Antes que se passe despercebido, o próprio termo “nosso” é oriundo de uma típica operação lógica de pensamento, aglutinador, que no ocidente – outro termo aglutinador –, “chamamos” de universal
E como tal, é fundamental recorrer a algum campo do conhecimento que conte já com avanços nesta área: o estudo das linguagens. “Linguagem”, por sinal, é outro termo que precisa ser claramente delimitado uma vez que não é unívoco. É o que veremos mais à frente.